E se meus sonhos não couberem no futuro?
Atualizado: 2 de set. de 2021
“O resto da sua vida depende disso.”
Faz um tempo que, todo santo dia, meu trabalho consiste exatamente em me sentar à frente do computador e passear entre programas de edição de imagem, documentos do Word, uma lista infinita de PDFs e, é claro, minha caixa de e-mails. Essa última, sempre lotada de promoções que fazem parecer que o fim do mundo está chegando.
Imagina, quem não quer saber do quê o resto da vida vai depender? E não é só isso! Os avisos são variados: só na semana passada, meus e-mails juraram que posso ter segurança financeira até o dia da minha morte, saber exatamente como vou encontrar minha alma gêmea com base no meu signo e, óbvio, fazer o curso que vai definir meu sucesso profissional.
Tudo isso só com alguns cliques. Incrível, não?
A questão é que, ao ler essas coisas no auge dos meus 21 anos, não consigo fazer nada a não ser revirar os olhos. No máximo, dar uma risada. E o pior (ou melhor) de tudo é que, no fim das contas, é como se eu estivesse revirando os olhos pra mim mesma. Na verdade, pra uma versão anterior de mim mesma. Ultimamente, é como se ela estivesse me encarando o tempo inteiro.
“O resto da sua vida depende disso.”. É a típica coisa alarmista que a Maia de 15 anos diria pra si mesma, tentando provar um ponto sobre aproveitar o auge da juventude e agarrar toda e qualquer oportunidade de ser incrível. Tenho certeza absoluta que se ela estivesse parada no canto do quarto agora, ficaria no mínimo confusa com a falta de grandiosidade da cena.
Se eu fosse receber um e-mail dela agora, o assunto teria alguma coisa a ver com ainda ter tempo de dar a volta por cima.
Em vez de revirar os olhos, talvez eu possa tentar explicar algumas coisas pra ela.

Eu sei que tudo é demais aí.
Que quanto mais tempo você passa estudando grandes autores, cientistas, artistas e filósofos, mais você quer que sua vida seja desse mesmo tamanho. Tão grande que não caberia em um currículo de Ensino Médio. Tão grande que não vai caber nem nas suas próprias mãos.
Fica calma. Você só não encontrou a sua própria régua ainda.

E outra: eu sei que você acredita de verdade na felicidade plena. Numa realização quase etérea de tão perfeita e completa.
Mas não entendo porque coloca tanta pressão em si mesma pra chegar a essa reta final. E depois, o que vem? Já pensou? O que acontece quando você chegar nesse êxtase absoluto?
Pensa comigo: você fica adiando, colocando no futuro. Agora, acredita nisso comigo: dá pra ser feliz aí, no seu presente. Não se engane: a felicidade não é esse plano detalhado e complicado que você traça como se dependesse da sua habilidade de agarrar tudo. Também não é esse conto de fadas que você escreve todos os dias na sua cabeça. Não é esse filme épico que você quer fazer.
E certamente não é um ponto final.

Aposto que é você quem vai revirar os olhos lendo isso. Vai parecer pessimista e triste, mas eu prometo que é um dos maiores alívios do mundo.
As coisas não são pra sempre. O que você sente aí, essa necessidade de ser mais, melhor, de viver o que ninguém mais viveria, não vai durar. Se eu te disser que você vai questionar essa maluquice daqui a no máximo um ano, você acreditaria?
Claro que não, né? Se eu me lembro bem, você está exatamente no auge de achar que tudo é magicamente possível. Tudo significa coisa demais pra você.
Às vezes, você só tem que deixar as coisas significarem exatamente o que elas são. Nada além.
A mochila de sonhos grandiosos que você carrega aí é muito importante, sim. Não acho que devia ser diferente. Mas eu sei que, às vezes, ela pesa demais. E você sabe também, mas não admite. Não deixe que seus sonhos te pesem mais do que te façam ir pra frente.

P.S.: sério, você acha mesmo que tem que conseguir escrever e ilustrar sua primeira HQ antes dos 20? Pra quê, exatamente?

Hoje em dia, eu faço um esforço enorme pra entender a sua percepção do tempo.
Fica calma, sua vida não vai acabar quando você passar dos vinte. Não vai mudar tudo de uma vez. Não é assim que o tempo funciona. As coisas vão ficar diferentes, é claro, mas não vai ser uma rasteira. Você não vai levar um susto, nem um baque.
Não sei qual a melhor forma de te dizer isso. Quando você crescer, vai ser aos poucos. Alguns choques de realidade vão ser necessários, mas, no geral, não vêm com essa autorreflexão toda.
Digamos que, um dia, você vai pensar: Caramba. Muita coisa mudou. E o pensamento seguinte vai ser, simples, pura e lindamente: Tá.
E você vai continuar em frente, porque não existe outra opção. Não existe atraso nenhum. Você está no seu tempo. Lê-se: o único tempo possível.
Muita coisa vai continuar mudando. Mas você vai junto. Tá?

Vai por mim, não tem necessidade nenhuma de misturar vodka e vinho.

Por que você quer tanto ter certeza? Certeza de quem você vai ser, do que vai fazer. Por que você quer saber exatamente o que vai acontecer? Se for pra se preparar, eu tenho uma notícia: é impossível.
Eu te garanto que a vontade de ter certeza é um dos grandes males do crescimento. E falo com hipocrisia, porque, pra ser muito sincera, às vezes eu ainda quero ter certeza. A gente é assim, né?
Mas falo também com propriedade, porque esses últimos anos me provaram de todas as formas possíveis que não existe certeza. Que a maioria das mudanças que você vai viver vão parecer exatamente com a sensação de estar andando de madrugada numa rua escura, com no máximo um poste de luz piscando. E vai ser incrível, porque você vai se sentir destemida. Completamente perdida, mas absolutamente invencível.
Você vai se acostumar, e até aprender a gostar de andar nessa rua escura. Tanto que, num certo ponto, seus olhos vão se acostumar com falta de luz.
Nunca vai ser suficiente, mas você se acostuma e se apaixona por não saber. A graça é toda essa.

Sério, eles estão tão perdidos quanto você. Só fingem bem (alguns).

O momento mais esperado: vou te contar o que estamos fazendo agora.
Ficar sentada em frente ao computador o dia inteiro não é lá muito glamouroso (e é péssimo pras suas pernas que, você vai ver, não vão ser as mesmas pra sempre), mas o que importa é o que a gente faz nele.
Acho melhor não dar muitos spoilers, mas basta dizer que você vai criar coisas. Sim, tem tudo a ver com seus sonhos, mas numa versão adaptada à vida real. Eu não sei de onde você tirou que trabalhar com criatividade teria essa pompa toda. Você não vive tendo reuniões importantes, conhecendo gente famosa, nem usando uma coleção impecável de terninhos estilosos como imaginava, mas não seja por isso. Eu prometo que é bem mais interessante poder colocar um moletom confortável e, mesmo assim, fazer coisas bem legais.

Você descobriu que dá pra matar essa vontade de viver uma fantasia criando outras.
Você é 100% real. E vai entender que a vida real pode ter tanta graça quanto as fantasias que você tanto ama. Vai perceber que, muitas vezes, grandes histórias são feitas nas notas de rodapé.

Porque esse tal futuro não existe. Trate de fazer seus sonhos caberem no presente.
P.S.: eu sigo tentando.